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A Guerra de Porecatu
GUERRA DE PORECATU E A DELAÇÃO DO CAPITÃO CARLOS: HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA DE UM PERSONAGEM Leandro Cesar Leocádio Prof. Dr. Rogério Ivano (Orientador) Em meados dos anos 40, devido à implementação de uma política criada justamente com o intuito de desbravar localidades que se encontravam, em pleno século XX, completamente inexploradas Brasil adentro, fruto do “contexto da nova política de terras implementada pelo governo Vargas e conhecida como Marcha para o Oeste” (PRIORI, 2009, p. 117), é que a região, que comporta hoje as cidades de Porecatu, Centenário do Sul, Jaguapitã e Guaraci, foi palco de um conflito envolvendo posseiros, jagunços, grileiros, PCB, enfim, mobilizou um número significativo de pessoas que travaram intensas batalhas (tanto no plano ideológico quanto armamentista) pela posse da terra, no que hoje convencionalmente conhecemos como “Guerra de Porecatu”. Com famílias oriundas do interior de São Paulo, Minas Gerais e região nordeste do Brasil, desde pequenos proprietários a trabalhadores e colonos buscaram, nesta proposta de governo, uma oportunidade de trabalhar em terras que poderiam ser suas. Para que isso ocorresse, bastava vir à região, desmatá-la e preparar a terra para a agricultura pelo período mínimo de seis anos. Em Porecatu, Centenário do Sul, Jaguapitã e Guaraci, os conflitos começaram de fato em 1942, quando o então interventor Manoel Ribas iniciou campanha com o objetivo de atrair mão de obra paulista, mineira e, principalmente, nordestina para o Paraná, a fim de desbravar e colonizar aproximadamente 120 mil hectares de terras devolutas existentes nestes municípios do Norte. [...] A notícia da existência dos 120 mil hectares devolutos espalhou-se como um rastilho de pólvora por todo o País e acabou por provocar uma ocupação desenfreada e desordenada da região. Na ânsia por um lote, dezenas de famílias chegaram a ocupar terras particulares, e com isso começaram a mexer num vespeiro (FELISMINO, 14 jul 1985). As terras que esses posseiros desbravaram foram sendo cobiçadas por fazendeiros e grileiros interessados em ampliar suas posses, estruturando “suas propriedades com base no cultivo da cultura do café, na criação de gado, na plantação de cana-de-açúcar, associadas com o trabalho assalariado” (PRIORI, 2009, p. 118) e, para isso, não mediram esforços, recorrendo, com a contratação de jagunços, à força excessiva para expulsar os posseiros de suas posses que, até o momento, não lhes pertenciam de forma legal. Foi organizando-se em Ligas Camponesas que os posseiros buscaram legalizar suas posses, primeiramente de maneira pacífica, recorrendo-se à justiça. Só depois de constatada a impossibilidade de legalizá-las via justiça é que se viram na necessidade de recorrer às armas na defesa de seus interesses. Neste momento, o Partido Comunista Brasileiro alia-se aos posseiros, orientando-os na luta pela reivindicação de seus direitos, não só instruindo ideologicamente e treinando os posseiros no trato com as armas, como também os ajudando com suprimentos dos mais diversos, de alimentos a remédios aos mais diversificados mantimentos. Esta ajuda por parte de lideranças do PCB [...] fez com que os comunistas angariassem uma forte simpatia junto aos posseiros, orientando famílias a prosseguirem com a batalha legal pela posse de suas terras (FELISMINO, 14 jul. 1985). Vale destacar que ambas as partes, tanto PCB quanto posseiros, se ajudaram e se beneficiaram neste primeiro momento: os posseiros, recebendo ajuda do Partido, conseguem empregar e se manter na luta armada (muito graças a treinamentos de guerrilha ministrados por membros do PCB), mesmo que por um curto espaço de tempo; e o PCB enxerga, na luta dos posseiros, a possibilidade de se colocar em prática uma nova política ideológica visando à tomada do poder pelas armas, e que só foi possível [...] dada a mudança de sua linha política, decorrente dos manifestos de janeiro de 1948 e de agosto de 1950, que apontavam para o Partido a necessidade da defesa da violência revolucionária como linha de ação, visando à luta direta para a tomada do poder (Ibidem). Porém, por mais antagônico que possa parecer, não esperavam que um dos principais líderes do PCB, mandado à região para comandar os posseiros, acabasse por delatar todo o movimento. Celso Cabral de Melo, mais conhecido no meio dos posseiros como “capitão Carlos”, fora um velho militante do PCB que chegou à região em meados dos anos 50 a mando do então presidente do PCB, o “Cavalheiro da Esperança”, Luiz Carlos Prestes. Este, em breve comentário ao repórter da Folha de Londrina Pedro Paulo Felismino no início dos anos 80, chegou a afirmar que “Porecatu foi um dos grandes erros do Partido não suficientemente avaliado e discutido” (FELISMINO, 14 jul. 1985). Graças à possibilidade de ter em mãos o interrogatório empreendido pela polícia de Porecatu contra Celso Cabral de Mello (Auto de Qualificação e Interrogatório), cedido pelo Arquivo Público do Paraná, com sede em Curitiba, é que podemos acompanhar um pouco mais detalhadamente os passos desta figura de suma importância para uma melhor compreensão deste conflito. Podemos constatar que, primeiramente, Celso Cabral chega à região para avaliar e analisar as possibilidades de se por em prática ali a luta armada. Em dezembro de 1950, foi chamado ao Rio (de Janeiro) onde, por intermédio de um dirigente que conhece por Apollonio e que havia regressado em princípios de 47 da Europa, recebeu, da direção nacional, a tarefa de vir a Porecatu a fim de fazer um levantamento da situação criada com a questão dos posseiros (Arquivo Público do Paraná. Fundo DOPS, Pasta 427/188). Verificada essa primeira visita à região, retorna meses depois com ordens diretas do PCB de organizar os posseiros e assumir a liderança do conflito. Recorrendo a atitudes equivocadas, arbitrárias, é de se considerar que o “capitão” não gozou da simpatia de muita gente, principalmente daqueles que até então vinham encabeçando o movimento de resistência dos posseiros, como Manoel Jacinto Corrêa, importante membro do PCB na região, primeiro vereador comunista eleito pelo PCB em Londrina, que considerava a participação de Celso Cabral inoportuna pois, além de não conhecer o campo de luta e suas particularidades, não respeitou a opinião daqueles que estavam envolvidos na luta desde seu início. Eles achavam que nós, crioulos da região, os pernas de pau, não éramos capazes de nada, por isso mandaram aquele sujeito, que era o „tal?, completamente ignorante no trato com os camponeses e que aqui fez sua lei, indispondo-se, inclusive, contra nós que tínhamos outras intenções na luta (Depoimento de Manoel Jacinto Correa, Folha de Londrina, 26 jul. 1985). Mas o pior ainda estava por vir. Preso pelas autoridades locais, o “capitão Carlos” denunciou todas as principais lideranças do movimento, as estratégias de luta, os planos de emboscada, as armas utilizadas pelos posseiros na luta e, como em um passe de mágica, dias após seu depoimento na cadeia de Porecatu foge, para nunca mais ser visto, deixando em aberto uma ferida tanto naqueles posseiros que se sentiram completamente traídos por aquele que, até então, era considerado como a principal liderança do PCB no conflito, como por parte dos próprios membros do partido. Inclusive “há referências de que a direção estadual do PCB solicitou ao comitê central a execução de Celso Cabral de Mello, por traição” (PRIORI, 2009, p.142). Mas, assim como não podemos afirmar com precisão esta declaração, o leitor irá perceber, no decorrer deste trabalho, que perguntas sem respostas concretas a respeito desta personagem é o que de mais concreto existe. Qual o verdadeiro paradeiro do capitão Carlos, o que veio acontecer com ele após sua fuga, quanto tempo e como viveu este delator é uma incógnita que se prolonga até os dias de hoje. Não se sabe ao certo o que veio a acontecer com sua pessoa, se foi assassinado, mudou de identidade, fugiu do país, enfim, tudo são suposições que ainda não foram devidamente esclarecidas. E, se há algo do qual podemos afirmar, é a existência de inúmeras lacunas em aberto no estudo para se tentar compreender este conflito. E uma destas lacunas que este trabalho espera preencher (mesmo tendo consciência que lacunas inevitavelmente ainda existirão) diz respeito justamente a esta delação empreendida por Celso Cabral de Mello que, se não foi o único evento que colocou um ponto final na luta pela terra empreendida pelos posseiros, foi talvez um dos principais, sobretudo pelo fato de ninguém esperar que exatamente aquele que chegou para ajudar, acabou entregando tudo e todos. Esta delação merece ser entendida como um evento histórico imoral empreendido por Celso Cabral de Mello pois, se este chegara à região a mando não só do PCB, mais diretamente do então secretário geral do PCB Luiz Carlos Prestes, para combater junto aos posseiros, tendo como incumbência organizá-los e chefiá-los como pôde, ao ser preso, delatar toda a organização dos posseiros sem que, para isso, tenha passado por qualquer tipo de tortura? Isso mesmo! Por mais absurdo que possa parecer, Celso Cabral de Mello entregou seus companheiros de combate sem que para isso tenha sofrido qualquer tipo de tortura física ou psicológica. Como destaca Manoel Jacinto Corrêa sobre o “capitão Carlos”: “um traidor. Delatou todo mundo sem levar um único beliscão” (Depoimento de Manoel Jacinto Correa, Folha de Londrina, 18 jul. 1985). Para pessoas como Manoel Jacinto, que fora preso 17 vezes e torturado outras tantas em nome de seu ideal comunista, não há explicação que o convença. Braço direito de Luiz Carlos Prestes, tendo inclusive participado de outras lutas que envolviam a luta armada, Celso Cabral de Mello, ou como diria João Saldanha, “o cabo Anselmo da guerra de Porecatu” (Depoimento de João Saldanha, Folha de Londrina, 18 jul. 1985), ao delatar seus companheiros e as famílias de posseiros, não só os traiu, mais traiu toda uma ideologia que estava sendo preparada por parte do PCB com o intuito de tomada do poder através das armas, e o conflito pela posse de terras na região de Porecatu pode ser considerado como a primeira atitude do PCB na busca por este objetivo. O pessoal do Comitê Central viu no movimento dos posseiros a possibilidade de desencadear um movimento nacional de luta armada [...], passando de uma orientação política colaboracionista que manteve durante anos, para uma orientação esquerdizante, oriunda do Manifesto de Agosto, que pregava a luta armada (Depoimento de Manoel Jacinto Correa, Folha de Londrina, 26 jul. 1985). A atitude tomada pelo “capitão” acabou causando um mal-estar tão grande dentro do próprio PCB que seus integrantes resolveram encontrar uma saída, digamos, muito pratica e confortável: silenciar este acontecimento! É nítido constatar, por parte dos dirigentes do PCB, a intenção de silenciar, não somente a participação do Partido na Guerra de Porecatu, como também o esforço em não se discutir, de forma clara e objetiva, a questão da delação empreendida por Celso Cabral. Na tentativa de esconder, jogar para debaixo do tapete este equívoco cometido, após esta delação e o conseqüente fim do conflito, membros do partido ficaram proibidos de se pronunciar sobre o ocorrido; salvo algumas exceções como, por exemplo, Manoel Jacinto Correa, citado acima (mesmo que só venha a falar sobre o caso aproximadamente 30 anos depois). Esta participação do PCB na Guerra de Porecatu surtiu um efeito tão profundo em suas lideranças que, até os dias atuais, este silenciamento perdura, e seus integrantes são orientados a não comentarem sobre o assunto. Silêncio que ainda está para ser investigado é o do Partido Comunista. O movimento de Porecatu sempre foi ignorado por este. Pouquíssimos são os documentos que tratam do assunto, assim mesmo em citações rápidas. Não foi localizado nenhum relatório crítico sobre o movimento. Nem mesmo os militantes falam sobre o tema. [...] dos altos dirigentes o silêncio é total. Não localizamos nenhum texto ou documento escrito por Prestes sobre a revolta (PRIORI, 2009, p.141). Mas, se há um silenciamento, não quer dizer que há um esquecimento, principalmente por parte daqueles que foram subjugados e traídos pelo “capitão Carlos”. O longo silêncio sobre o passado, longe de conduzir ao esquecimento, [...] transmite cuidadosamente as lembranças dissidentes nas redes familiares e de amizades, esperando a hora da verdade e da redistribuição das cartas políticas e ideológicas (POLLAK, 1989, p. 03) Aquelas pessoas que foram ou ainda são, por um motivo ou outro, obrigadas a silenciar-se sobre determinado assunto, ficam no aguardo de, no momento oportuno, colocar para fora tudo aquilo que por tanto tempo ficou guardado, consumindo e corroendo por dentro. E, no caso das lideranças regionais dos posseiros, estes ficaram aproximadamente trinta anos esperando pelo momento de colocar para fora essas amarguras e ressentimentos advindas de uma participação equivocada de um Partido que sequer consegue analisar (mesmo que passado tanto tempo) sua atuação neste conflito que, se para o próprio PCB é devidamente visto como uma mancha terrível em seu currículo, para os posseiros e suas lideranças regionais significou o fim de uma luta pelo direito à terra. Como simplesmente esquecer, por uma pedra neste passado marcado por uma traição deste porte? Subestimar a inteligência daqueles que foram humilhados, torturados, literalmente apunhalados pelas costas foi a alternativa encontrada pelo PCB para escamotear sua incompetência, devidamente marcada por esta delação. Mas, vale aqui destacar: mesmo que se procure abafar determinados acontecimentos, como fizeram e ainda fazem, neste caso, as lideranças do PCB, [...] os dominantes freqüentemente são levados a reconhecer, demasiado tarde e com pesar, que o intervalo pode contribuir para reforçar a amargura, o ressentimento e o ódio dos dominados, que se exprimem então com os gritos da contraviolência (POLLAK, 1989, p. 07). Assim, quando o jornal Folha de Londrina realiza, no início dos anos 80, uma série de reportagens referentes ao conflito em Porecatu, entrevistas foram feitas com alguns personagens que viveram, participaram e testemunharam diretamente esta guerra. Ao se recorrer a um testemunho para se tentar compreender determinado período histórico, ficamos sempre a mercê de algumas situações advindas desta escolha. O erro, a falsificação, até mesmo a mentira podem acompanhar o relato testemunhal. Situações normais, pois recorremos ao testemunho de uma pessoa carregada de sentimentos e equívocos presentes em todo e qualquer ser humano. Por conta disso, “se os homens querem saber algo é preciso, por vezes, que confiem nesse alguém que lá esteve, e aceitem confiar na percepção de um, por lacunar que seja” (KOLLERITZ, 2004, p. 76). Não vem ao caso, portanto, procurar saber se o que foi dito nos testemunhos encontrados nas reportagens que realizou a Folha de Londrina estão pautados com exatidão ao que aconteceu a tantos e tantos anos atrás. Devemos levar em consideração o fato de que toda uma memória sobre a guerra foi silenciada propositalmente, jogada ao ostracismo do esquecimento justamente para que os erros e equívocos cometidos pelo PCB (principalmente “o” grave erro cometido pela figura do “capitão”) não viessem à tona para serem devidamente julgados. Tentou-se manipular, indiscriminadamente, a memória daqueles que viveram e sofreram as amarguras da traição. Por acreditarem nas falácias do “Partidão”, ganharam como presente o limbo do esquecimento; foram desprezados por um Partido que optou em se manter integro em detrimento à memória daqueles que dedicaram sua vida em prol de uma ideologia que se mostrou, quando testada, egoísta ao extremo. Talvez, se os membros do PCB, ao invés de optarem pela covardia de se tentar esconder seus terríveis equívocos, tivessem escolhido outro caminho, quiçá o do julgamento de seu mal planejado e estruturado apoio aos posseiros, estaríamos aqui tentando entender esta guerra por outro ângulo, quem sabe por uma perspectiva diferente. Mas, infelizmente, isto não é possível. A memória dessas pessoas silenciadas, esquecidas com o tempo justamente em decorrência deste silencio, é agora, de forma justa, revista, tendo como respaldo toda uma investigação jornalística e literária que trouxeram este fato à tona. Considerar a memória como aliada da história, não se preocupando com verdades ou mentiras, é um instrumento do qual o historiador jamais deve abrir mão. A memória, onde cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir o presente e o futuro. Devemos trabalhar de forma a que a memória coletiva sirva para a libertação e não para a servidão dos homens (LE GOFF, 1996, p.477) Esta guerra, que deve ser considerada uma mancha dentro do Partido Comunista, começou a ser revisitada, conforme dito acima, em meados dos anos 80, quando a Folha de Londrina, através do repórter Pedro Paulo Felismino, realizou um intenso conjunto de reportagens sobre o ocorrido. Resgatando uma memória que estava há tanto tempo adormecida consegue, através de uma seqüência de reportagens, traçar uma cronologia do acontecido que até então jamais tinha sido realizada. E foi através deste conjunto de reportagens que o professor Joaquim Carvalho da Silva escreveu um romance baseado na guerra de Porecatu chamado “Terra Roxa de Sangue”, onde narra as intempéries por que passaram os posseiros desde a chegada à tão sonhada terra prometida, a derrubada da mata para plantação, a invasão por parte de grileiros e fazendeiros a suas terras, a decisão de se pegar em armas para resolver o conflito, a conseqüente perda dos direitos, por parte dos posseiros, de suas posses e, no final de seu livro, faz algumas citações de como estariam vivendo alguns personagens que participaram, direta ou indiretamente, do conflito. Há também a publicação, por parte do escritor londrinense Domingos Pelegrini, do romance “Terra Vermelha”, onde ele descreve como se deu o processo de colonização do Norte do Paraná no início do século XX, chegando a dedicar um espaço dentro de seu livro à Guerra de Porecatu. Outra fonte importante dentro deste procedimento de se tentar compreender estes acontecimentos é o Auto de Qualificação e Interrogatório, que foi conseguido após muita procura e conversa com funcionários, tanto do Fórum de Porecatu, quanto do Arquivo Público do Paraná, com sede em Curitiba, que possui arquivos de alguns processos referentes à Guerra de Porecatu. Na realização deste trabalho, podemos destacar também a importância da tese de Doutorado do professor da UEM, Ângelo Priori, um dos poucos trabalhos acadêmicos que tratam diretamente sobre o conflito, realizando importantes considerações acerca deste acontecimento. Porém, como destaca Priori, “em todo caso complexo as dificuldades para entender alguns acontecimentos é maior do que se imagina” (PRIORI, 2009, p.141). E, devido a esta complexidade da qual relata Priori, é que há a necessidade de se recorrer ao maior número possível das mais diversas fontes. Vale aqui destacar que só é possível recorrer a uma variedade de fontes para uma melhor compreensão dos acontecimentos graças a, nos dias atuais, os estudantes de história terem a possibilidade de poder utilizar das mais diversas fontes na realização de seu trabalho. Um significativo exemplo, e que ilustra muito bem esta situação, é a utilização do romance histórico como fonte histórica, pois [...] a narrativa ficcional em prosa constitui fonte documental essencial, já que expressa, poderosamente, os cenários; a linguagem; as personagens dominantes; as concepções e visões de mundo; as preocupações e preconceitos sociais; etc. da época em que foi produzida (MAESTRI, 2002). Assim, recorrendo ao romance histórico e utilizando-se deste como fonte para a realização de seu trabalho, o historiador consegue resgatar (é claro que em partes, e não como um todo) os acontecimentos de determinada época a ser estudada. A isto se deve o fato de que o autor de um romance histórico [...] seleciona, nos documentos, nas memórias, nos relatos, na historiografia, e nos seus conhecimentos e idéias, conscientes e inconscientes, sobre o passado, o material sobre o qual construirá seus enredos, protagonistas e paisagens (Ibidem). Ou seja, se há a intenção, por parte do romance histórico, de retratar uma determinada época, o autor até pode recorrer à criação de personagens fictícios, mas deve investigar detalhadamente a época que abordará, para que seus personagens tenham falas condizentes com a realidade na qual estão inseridos. Remexer este passado envolve um trabalho árduo de resgate de um acontecimento que pode ser estudado, conforme descrito acima, tanto através de fontes escritas (como os jornais, romances, processos jurídicos) como, e principalmente, através da memória testemunhal daqueles que acreditaram em ideais e que por esses mesmos ideais foram traídos. Até a publicação das reportagens do jornal Folha de Londrina, ou seja, dos anos 50 até os anos 80, por aproximadamente um período de trinta anos não há, nem por parte dos posseiros e principalmente por parte de militantes do PCB, qualquer relato sobre estes acontecimentos, assim como também não há relato de qualquer trabalho, seja ele acadêmico ou não, que trate do ocorrido. As fontes levantadas para esta pesquisa revelam que somente após as reportagens da Folha de Londrina é que se começou a remexer nestas lembranças. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Arquivo Público do Paraná. Fundo DOPS. Depoimento de Celso Cabral de Mello. Caixa 67/599ª. FELISMINO, Pedro Paulo. A guerra de Porecatu: a história do mo-vimento armado pela posse da terra que sacudiu p Norte do Paraná nas décadas de 40 e 50. Folha de Londrina, 14-28 jul 1985. KOLLERITZ, Fernando. Testemunho, juízo político e história. In Re-vista Brasileira de História. São Paulo, v. 24, nº 48, p. 73-100. 2004. LE GOFF, Jacques. Memória. In História e Memória. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1996, p. 423-477. MAESTRI, Mário. História e romance histórico: fronteiras. In Novos Rumos. Nº 36. Ano 17. 2002. PELLEGRINI, Domingos. Terra Vermelha. São Paulo: Moderna, 1998. PRIORI, Ângelo. A revolta camponesa de Porecatu. In MOTTA, Márcia & ZARTH, Paulo (Orgs.). Formas de resistência camponesa: visibilidade e diversidade de conflitos ao longo da história. São Pau-lo: UNESP, 2008, p. 117-142. POLLACK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. In Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2, nº 3, 1989, p. 3-15. SILVA, Joaquim Carvalho da. Terra roxa de sangue. Londrina, PR: Eduel, 1996. Disponível também em: http://www.uel.br/eventos/sepech/sumarios/temas/guerra_de_porecatu_e_a_delacao_do_capitao_carlos_historia_e_historiografia_de_um_personagem.pdf