Extratos de "Curso de Filosofia" - Régis Jolivet - Capítulo Terceiro
A VIDA - ART. I. A VIDA EM GERAL
1. Noção.
a) O movimento imanente. A vida é uma realidade muito simples para que a possamos definir. Pode-se, apenas, descrevê-la em sua manifestação pelo movimento espontâneo e imanente, quer dizer, por um movimento que o ser vivo produz por si mesmo, por seus próprios recursos e que tem seu termo imediato no próprio ser vivo — movimento aqui, não apenas no sentido de movimento local, mas de toda passagem da potência ao ato e mesmo de toda operação (73). Assim, o ser vivo se move, enquanto que o não-vivente é movido.
b) Natureza do movimento imanente. Quando se diz que o ser vivo se move por si mesmo, não se quer dizer que ele seja o principio absolutamente primeiro do movimento. Na realidade, mesmo o movimento que parte dele está condicionado, no seu exercício, por um conjunto de causas de que depende a todo momento. Por exemplo, a árvore cresce e frutifica (movimento imanente, sinal de vida) mas o ato de crescer e de frutificar depende da natureza do terreno e das energias solares. Daí dizer-se universalmente que tudo o que se move é movido por um outro ser, isto é, depende de um outro ser no exercício de sua atividade. Se, então, se afirma que o ser vivo se move a si mesmo, é no sentido de que O movimento não lhe é comunicado mecanicamente de fora (como é o caso do movimento da pedra), mas resulta, sob a ação das causas que o tornam possível, do próprio princípio vital, quer dizer, de dentro mesmo do ser vivo.
2. A alma, princípio do movimento.
a) Todo corpo vivo é vivo pela presença de uma alma, distinta da matéria corporal. O corpo, enquanto matéria, não é capaz de se mover. Como se viu mais acima, o seu movimento provém da forma substancial, que, nos seres vivos, recebe o nome de alma.
b) É, pois, forçoso, rejeitar a teoria fisico-química ou materialista, segundo a qual a vida se explicaria adequadamente por combinações de forças físico-químicas e seria, por conseguinte, redutível a uma propriedade da matéria.
A matéria é passiva; o ser vivo é ativo. A matéria se expande do exterior, por adição de elementos homogêneos; o ser vivo se expande do - interior, por intussuscepção e assimilação, e segundo um plano em que se exprime uma lei imanente. Da mesma forma, o ser vivo se reproduz, o que não pode fazer a matéria.
3. Os graus da vida.
a) Distinguem-se três graus de vida: a vida vegetativa (plantas) — a vida sensitiva (animais), — a vida racional (homens), que têm por princípios, respectivamente, as almas vegetativa, sensitiva, racional.
O homem, natureza intelectual, não possui três almas, se bem que possua as potências vegetativa, sensitiva e racional, assim como o animal não tem duas almas, vegetativa e sensitiva. A alma superior assume as funções dos graus inferiores: a alma do animal é, ao mesmo tempo, vegetativa e sensitiva; a alma humana é, ao mesmo tempo, vegetativa, sensitiva e racional.
b) As funções vegetativas e sensitivas não ultrapassam o nível do corpo, e a alma, que é o seu princípio, se acha unida indissoluvelmente à matéria. Por isto, não sobrevive à dissolução do composto. Isto não se aplica à alma humana, em que as operações superiores se processam sem o concurso intrínseco (mas com o concurso apenas extrínseco, quer dizer, a título de condição dos órgãos corporais. A alma humana é, pois, na sua existência, independente do corpo e subsiste à dissolução do organismo corporal.
ARt. II. O PROBLEMA DA EVOLUÇÃO
§ 1. A hipótese Evolucionista
1. A tese evolucionista. — O estudo cada vez mais extenso e preciso das espécies que compõem a fauna e a flora do globo terrestre, a descoberta de numerosos fósseis que pertencem às espécies atuais, mas que possuem caracteres somáticos menos acentuados do que os que se encontram hoje, a descoberta de espécies inteiramente extintas, mas que parecem ligar-se às espécies sobreviventes, assim como outros fatos, deram, ainda no século XIX, uma grande voga ao que se chama a teoria transformista ou evolucionista, segundo a qual todas as espécies atuais, vegetais e animais, do globo, proviriam, por via de evolução, de um pequeno número de troncos primitivos ou mesmo de um único primitivo.
2. As diferentes formas do evolucionismo.
a) Lamarck. Foi Lamarck, professor do Museu de História Natural de Paris, o primeiro que formulou com clareza a hipótese evolucionista, nela especificando que os fatores (ou causas) da evolução seriam, a seu ver, os três seguintes: o meio, a hereditariedade, o tempo. As variações do meio (clima, alimentação, temperatura) provocam transformações diversas nos corpos vivos. E assim também as necessidades, determinadas pelo estado do meio, e que criam pouco a pouco os órgãos suscetíveis a satisfazê-las (donde o princípio lamarckiano: "a função cria o órgão")- Essas transformações se transmitem por hereditariedade e se fixam na espécie.
b) Darwin. Darwin retoma as idéias de Lamarck, substituindo pela concorrência vital ou luta pela vida a explicação que Lamarck atribuía à ação do meio. Todo ser vivo, diz Darwin, esta em luta contra o meio e contra as espécies concorrentes. Esta luta produz uma seleção natural, no sentido de que os indivíduos mais fracos sucumbem e que só sobrevivem os mais fortes e mais aptos. Ela é, por isto mesmo, uma fonte de diferenciações entre os indivíduos. As diferenças favoráveis e úteis se avolumam com o uso e se transmitem por hereditariedade.
c) DE VRIES. O naturalista DE VRIES sustentou que a evolução não se completa, como o pensaram Lamarck e DARWIN, por pequenas variações contínuas, mas por mutações bruscas e de grande amplitude, desencadeadas pelo jogo de influências fortuitas.
§ 2. Estado atual da questão
Dois problemas estão em jogo: o do fato da evolução e o do mecanismo da evolução.
1. O fato da evolução. — Os sábios parecem estar de acordo em reconhecer a realidade de uma evolução, ao menos nos limites dos gêneros e das espécies. Haveria, então, na origem das espécies e dos gêneros atuais, um pequeno número de troncos que, por diferenciações sucessivas, teriam pouco a pouco dado nascimento à multiplicidade atual. Parece que provas suficientes corroboram esta opinião. Quanto a estender mais longe o domínio da evolução, quer dizer, ligar os troncos, que estão na origem das espécies atuais, a tipos mais gerais, e, estes, a um único tipo inicial, é, ao menos, no momento, ultrapassar o que permitem afirmar os fatos conhecidos e realmente estabelecidos.
2. O mecanismo da evolução. — Se existe evolução, como se produz ela.
a) As teorias de Lamarck e de Darwin estão hoje quase abandonadas, como explicações gerais da evolução. Com efeito, as transformações não se puderam produzir por graus insensíveis, como o pensavam Lamarck e Darwin, pois do contrário de nada teriam valido. — O meio não tem a influência imaginada por Lamarck. — A função não cria o órgão, mas, ao contrário, o supõe. — A seleção se processa geralmente ao acaso. — A hereditarieda-de não parece transmitir os caracteres individuais adquiridos, mas simples disposições. Além disso, estas teorias não levam em conta os fatos das mutações, que são exatos.
b) O mutacionismo parece melhor adaptado aos fatos conhecidos. Mas está longe de responder a todos os problemas que o fato da evolução levanta. Em particular, a extensão das mutações, por importante que seja, é pouca ainda para poder avaliar a formação de grupos superiores às espécies e aos gêneros (quer dizer, de famílias ou ordens). De outra parte, grandes mutações, como as que produziram gêneros novos, equivaleriam a verdadeiras criações e não mais permitiriam falar de evolucionismo.
c) Em qualquer hipótese, é impossível restringir-se a uma. explicação puramente mecânica da evolução, como o tentaram Lamarck e Darwin. Jamais se explicará a vida e suas transformações pelo simples jogo de fatores externos, físicos ou químicos. Estes não são para os seres vivos mais do que ocasiões de manifestar as virtualidades ou potências inscritas na sua natureza. Em conseqüência, toda teoria da evolução deverá ser ao mesmo tempo mecanista e finalista, experimental e metafísica. O primeiro princípio da evolução é, inicialmente, a idéia (ou forma), que é o ser vivo, com todas as potências de transformação que se incluem nesta idéia ou forma. Os fatores externos, mecânicos e químicos, intervém de maneira mais ou menos eficaz como condições determinantes da potência evolutiva.
Resta descobrir quais puderam ser o modo de ação e a amplitude destes fatores externos. Este é o domínio da ciência. Até aqui, as certezas adquiridas são muito limitadas e o processo da evolução permanece ainda muito misterioso.
3. As origens humanas.
a) O problema. As observações que fizemos valem com mais, forte razão para a espécie humana. Resultará ela, por evolução, de espécies animais anteriores? Nada permite afirmá-lo de maneira absolutamente certa.
b) Limites da teoria evolutiva. Admitindo, contudo, a possibilidade, e, mesmo, até um certo ponto, a probabilidade de uma tal evolução (de vez que numerosos fósseis parecem sugerir, quando não antepassados da espécie humana [homo sapiens], ao menos tipos aparentados, mais ou menos próximos destes hipotéticos ancestrais), a evolução jamais poderá constituir uma explicação adequada da espécie humana,, porque entre o animal e o homem há um abismo intransponível, uma radical separação. A evolução, se verdadeiramente se verificou, então deve ter-se limitado à preparação do corpo humano, que não se tornou efetivamente um corpo humano a não ser pela criação por Deus da alma espiritual Se bem que seja necessário falar, mesmo neste caso, de uma criação-imediata por Deus do corpo e da alma do primeiro homem.
Vê-se assim que, segundo esta hipótese, o homem existiria realmente sem antepassados, se pelo menos fôr tomada esta palavra no sentido próprio. Não será, portanto, lícito empregá-la (como o fizemos acima), a não ser no sentido limitado e impróprio, que resulta do que acabamos de dizer.