Textos
Cotas para afro-descendentes e para alunos oriundos da escola pública
A questão da destinação de cotas dentro das universidades brasileiras tem despertado muita polêmica. É correta ou não a adoção do sistema de cotas? Pela definição da palavra cota que os dicionários dão, tem-se a idéia de parte a que se tem direito. Dentro do princípio de que a escola pública é universal, depreende-se que universal significa que todos têm a ela direito. Como nas universidades públicas não há lugar para todos, é necessário fazer uma seleção. Esta, por sua vez, significa escolher(os melhores). A cota tira da universidade a idéia de universal: nem todos os concorrentes têm os mesmos direitos. Os direitos são divididos em três: uma parte é para os candidatos oriundos de escolas públicas, outra para os afro-descendentes e, por fim, há uma parte destinada a todos os outros. De onde vêm esses direitos? A própria origem dos candidatos gera o direito a isso ou àquilo. Se procurarmos as causas dessa origem, ficaremos abismados: por não terem tido condições adequadas de estudo e, conseqüentemente não estarem tão bem preparados, os afro-descendentes e os oriundos de escolas públicas devem ter uma chance a mais que os outros. É justo? Está-se pensando no verdadeiro valor do ser humano?
Nosso objetivo ao levantar essas reflexões não é propugnar pelo direito que têm os que estão bem preparados. É, acima de tudo, defender o direito que todo cidadão tem de bem se preparar.
As oportunidades devem ser dadas a todos. Aos que têm e aos que não têm dinheiro. Nem todos os alunos das escolas particulares passam em vestibulares. Tiveram, no entanto, chances semelhantes. O mesmo, infelizmente, não se pode dizer dos alunos de escolas públicas e dos afro-descendentes: as chances, de longe, diferem dos que puderam escolher uma escola particular. Muitos deles nem vislumbram a possibilidade de concorrer com tantos outros.
O que fazer? É necessário oferecer a todos (aos ricos e aos pobres) as mesmas oportunidades de escola. Urgentemente é necessário investir na escola pública para, aos poucos haver a mesma oportunidade a todos os cidadãos. Escola pública de qualidade não é a da mídia, através da qual os governos (todos eles) tentam camuflar a realidade, mostrando situações próprias do andar de cima. É necessário investir no andar de baixo: na escola que não tem todos os professores, na escola que não tem pessoal de apoio, na escola aonde o aluno tem dificuldade de chegar. Na escola que não respeita a diversidade cultural do aluno, na escola que não leva em conta as competências do ser humano, na escola que exclui, na escola que não atrai o aluno, na escola que não consegue competir com os diversos meios de comunicação, na escola obsoleta, na escola real. É pesado, mas deve ser dito.
O sistema de cotas, assim como foi o Programa de Adequação Idade-Série(PAIS), popularmente chamado de Correção de Fluxo, é bom, como lenitivo. É necessário, no entanto, erradicar as verdadeiras causas. Urgentemente!
P. S. – O sítio da Universidade Federal do Paraná na Internet refere-se às cotas para os afro-descendentes. Na explicação das cotas informa que o candidato deve declarar que é negro ou pardo, dentro da classificação do IBGE. As cotas destinadas aos afro-descendentes são para todos os descendentes de africanos? Se não, deve ser eliminado o eufemismo para a palavra “negro”.
Ivo Pitz - Professor de Língua Portuguesa e Filosofia